domingo, 24 de abril de 2011

Vó Helena

(Entre-Rios Jornal, 09 de Abril de 2011)

Recebi de minha mãe a triste notícia de que minha avó havia partido. Tanto tempo sem vê-la e se vai, assim. Não foi por falta de aviso; não era de hoje que minha irmã falava dessa possibilidade, sempre com um tom de quem precisava de ajuda. E eu dando importância à trivialidades, incapaz de pegar um telefone e fazer uma ligação. Era o costume de não a ter por perto que fazia de mim um relapso. Nunca tive essa figura tão adorável que se tem quando garoto. A avó. Àquela que, sempre afetuosa, vem a casa e traz qualquer bobagem que te deixa feliz, que exalta qualquer coisa que o neto, ainda insignificante perto da grandeza do mundo, faça, construa; um caderno de terceira série, um desenho bobo, coisas assim que pra ela tem um valor imenso, que não sabemos. É uma figura que mesmo não presente, mandava uma carta, fazia uma ligação, me chamava de “Pedrinho”, assim como ninguém me chama.

Fui crescendo sem vê-la bordar. O tempo foi passando e ela já não ligava mais, já era mais velhinha, estava tão sozinha. Eu, em contrapartida, fui me tornando moço, adquirindo consciência, deixei o caderno da terceira série, fiz bons amigos, aprendi a dar valor a vida – que quase perdi em um acidente de bêbado –, vi minha família me erguer, passei por poucas e boas, vi o nascimento de um irmão, briguei com a outra irmã que já tinha, fui a praia, me diverti, sentei em mesa de bar, conversei fiado, fiz poesia, encontrei um amor para vida toda e, ainda assim, não aprendi a ser neto. O tempo passou e agora aquela única senhorinha, mãe de meu pai, que pouco conheci, já não estava mais aqui. Lembro bem de sua estatura mediana, sua pele branquinha, os cabelos encaracolados clarinhos e curtos, a delicadeza de seus movimentos e, o que mais ecoa no meu ouvido, o jeito como ela me chamava, “Pedrinho”. Um “Pedrinho” que nunca vou esquecer. O “Pedrinho”, aquele menino gordinho que deixou o Rio de Janeiro quando seu pai morreu, e que deixou lá toda e qualquer história que fosse ligada à figura paterna. A única coisa que restou foi uma velha camisa do flamengo. A possibilidade de um dia ser o menino da vovó ficou pra trás. Cresci levando bofetada de minha mãe sem uma avó para amaciar o tapa. Aos domingos não tinha para onde ir, sempre um dia triste na semana. Nunca pude dizer “os docinhos da vovó” ou dar um abraço apertado e ficar escutando as histórias de sua juventude. Acho até que por isso sempre gostei de História no colégio e, depois, acabei optando pelo Jornalismo, sempre querendo saber mais sobre o passado, faminto pelas anedotas de outros tempos.

E hoje, depois desta notícia, a partida de minha avó, senti falta de algo que nunca tive, lembrei de coisas que nunca existiram. Chegou até a vir à minha mente a imagem de uma praça extensa, cheia de pombos, um carrinho de bebê e uma velhinha sentada junto a um moço mais jovem, ambos com as mãos no carrinho, balançando, enquanto o bebê, adormecido, sonhava com a vida que o esperava.

Agora o que eu pretendo é esperar. Esperar um tempo, bom tempo, até que me venha, cutucar a perna, uma netinha, para que eu possa niná-la enquanto sonha e chamá-la pelo diminutivo; para que ela se lembre de mim pelo jeito como eu a chamava, de Heleninha.

Um comentário:

  1. Que lindo texto, Pedro. Lembrei da minha Vó, que também se chamava Helena. Ela morreu já tem um tempo, mas as lembranças continuam inteirinhas. Sua sopa deliciosa, seus casos, seu amor platônico pelo Vô, seus 11 filhos, sua simpatia e sinceridade. Seu cheirinho de Vó! que delícia.
    Da minha Vó Helena, só lembranças boas. Bem boas.

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