quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Fotografia



A luz é contida; como em uma câmera escura.

domingo, 3 de outubro de 2010

Eleições

Final de domingo, clima ameno, expectativa da família brasileira. O homem da casa, médico engomado, comenta:

-Romário foi um dos mais votados no Rio.

A mulher, típica brasileira de meia idade, lá da cozinha indaga:

-O Mário? O Mário foi reeleito?

O filho mais velho, que come um sanduíche no mesmo cômodo onde está sua mãe, pergunta:

-Ele ta falando do Romário? O jogador?

A mãe, um pouco confusa, responde:

-Não! O Mário, Mário Dias. Paciente dele.

O homem da casa, médico engomado, finaliza:

-Eu to falando é do Romário, aquele baixinho que jogava pelo Vasco.

A mãe, completamente confusa, sem entender a diferença entre jogador de futebol e político; solta:

-Mas e o Mário?

O filho, um completo idiota, brinca:

-Te comeu atrás do armário!

O homem da casa, desiludido com a possibilidade daquilo tudo ser verdade, sussurrou:

-Porra! Mas logo com a minha mulher. O Mário me traiu logo com a minha mulher.

domingo, 5 de setembro de 2010

Ouça

Não dê ouvidos àquele menino,
Franzino,
Que te emprestou o livro de Fernando
Sabino.
Temática pitoresca!
Coisa Besta!

Não dê ouvidos ao teu amigo,
Que te deu abrigo,
Falou contigo,
Sobre as coisas boas da vida.
Sobre o quão etéreo é o magistério,
E como um buraco tem fim.

Não dê ouvidos ao seu professor,
Arrebatador,
Que formou a sua mente.
Que te transformou em um excludente.
Que te fez um jornalista que peita presidente.
Faz sentido?

Não dê ouvidos ao sistema,
Àquele que só te traz problema.
Que te causa edemas.
Que faz do seu dia um piscar de olhos sem sorrisos.
Sem amigos.
Internaliza em você uma noção porca de prazer.

Não dê ouvidos à tua mãe,
Àquela que te gerou,
E te insultou, quando necessário.
E te chamou de otário.
Você é só uma extensão de um não que ela recebeu.
Você é o motivo de gorjeta.

Não dê ouvidos aos teus sonhos.
Londres não passa de uma fantasia.
Vá além da pedagogia.
Aprenda com a poesia,
Escute a vigésima quinta hora do teu dia.
E te engrace com o potencial da utopia.

Não dê ouvidos ao amor.
Ele só te envergonha diante dos mais machistas.
É uma pedra no seu rim.
É um fiasco do deleite e da sensação,
Uma podridão.
Salgada ilusão.

Não dê ouvidos aos teus ouvidos.
Eles são apenas uma pequena partícula de um recorte auditivo do todo que constitui o universo.
Uma vaidade intrínseca,
Que te faz delirar.
No silencio do jantar,
Ou no calar das ondas do mar.

Não dê ouvidos aos maus pensamentos.
Eles são passageiros,
E se perdem no tempo.
Adulam uma parte da população que não admite incremento.
Um tormento.
Vire à direita e siga o momento.

Não dê ouvidos à massa.
Ela tem o poder de transformar a sua mente em massinha,
De te reduzir a insignificância.
De tirar de uma criança a poesia da infância.
De não dar a um homem uma sombra de esperança.
De fazer um velho pigarrear até a morte chegar.

E, sobretudo, não dê ouvidos ao Pedro.

sábado, 21 de agosto de 2010

La Rioja


Estou aqui no saguão do meu prédio, de um lado uma escadaria que me apresenta uma proposta de vida em um lugar que desconheço as alegrias, do outro, a porta da minha casa, cujo conforto é farto. Situo-me mais próximo das escadas do que da porta, isso significa que a possibilidade de eu sair rolando é mais provável. Se for o caso de eu não estiver viva quando isto chegar às suas mãos, não se torture, a culpa não foi sua. Mas acredite: a morte é melhor que a vida longe de ti. Talvez o motivo maior da angústia que sinto seja o Frank Sinatra cantando no andar de baixo. Isso porque a madrugada só esta começando, e, em pouco tempo, os gritos virão e a minha vida se decifrará num inferno. Prefiro acabar com ela antes que isso aconteça.

Não se precipite quando ler esta carta. Vá até a padaria mais próxima e compre aquele chocolate que eu gostava, e, sozinho, delicie-se, com a certeza que estarei próxima. Nos momentos de maior intimidade eu estarei lá.

Saudade é uma coisa boa, que esquenta uma dor, que por sua vez esquenta o amor. Esquenta mas não queima, só aquece, conforta. Saudade é saudável. Talvez ela se transforme em presságio de reencontro mais digno de menção, ou, quem sabe, ela se torne, com o passar dos anos, uma dor intolerante.

Não sei se outra mulher vai bater à sua porta, mas o que sei é que ninguém vai te amar como nos nossos tempos. Serei eu, só eu. A sua família te abandonará aos 35. Seus irmãos mudarão de país e a sua mãe vai apodrecer na cadeia depois de tentar esfaquear o cara que matou o seu pai. Nem mesmo aquele que você achava ser seu melhor amigo estará perto de você para te acudir, todos estarão longe. Como sei disso? Já estou do outro lado, aqui se sabe de tudo. Depois de se drogar de todas as maneiras será a sua vez de tentar a morte, mas você vai fracassar, pois não terá a quem enviar uma carta como esta.

A vaidade não te deixará ir, assim, sem se comunicar; para que futuramente seja lembrado pelos que o verão como um herói de uma época sem pretensões. Não faça do fracasso algo abortivo, entenda-o somente como cacos, plausíveis de serem reconstruídos. E assim você desiste dessa tolice e vai, aponta e vai.

Um dia, em uma conversa indireta com um mestre em odontologia, foi-me dito para que eu ficasse atento com os defeitos, pois são maiores proporcionalmente, mesmo que em quantidades mesquinhas. Escondo os meus debaixo da terra, para poder sujar minhas mãos outra vez.

27 de janeiro de 1987.
Catarina.





Catarina,*

A lágrima veio como um rojão. Um alívio para as palavras em fogo coladas a minha pele. A garganta fechou por um momento e eu achei que sufocava. O ar estava quente e o meu quarto era um cubículo abafado. Ou talvez eu estivesse muito grande ou muito inchado tentando te alcançar. Não era uma sensação humana. Sentia os meus pés como patas pesadas e respirava emitindo um ruído alto e intenso.

Não fui à padaria comer o chocolate, não senti fome. Dei outro nome ao vazio que ficou depois da carta e enchi de ódio doído de paixão por você. Estou com raiva, Catarina. Estou te odiando mais do que jamais te amaria na minha vida e dói, terrivelmente, pois sei que você se contentaria com isso. Estou com nojo da sua memória grudada na minha pele como sebo. Estou morta com o seu peso jogado as minhas costas. E você gosta. Onde quer que esteja você gosta.

Apesar disso, sinceramente não desejo que vá para o inferno, não desejo nem que parta. Gostaria de te ver rolando escada abaixo cem vezes. Amarraria-te em mim se pudesse, e rolaria eu mesmo só para sentir cem vezes a sua dor.

Estou num ônibus Catarina, estou indo para Famatina. Cadeira 23, do lado da janela, aquela onde fizemos amor pela primeira vez. Sinto o cheiro da sua calcinha. E tudo o que eu queria agora é que alguma outra coisa nos acertasse e acabasse com tudo de uma vez. Isso me excita.

Mas infelizmente para você eu não posso acreditar em nada disso e você está certa, a culpa é da minha vaidade. Se este é o meu pecado, é também o seu e estamos todos condenados. Estou partindo para o seu velório e você terá a sua carta resposta. Sujarei meus dedos de terra para enterrar o meu ódio ao seu lado, depois voltarei para La Rioja, tomarei um banho, antidepressivos, conhaque e dormirei. Se eu estiver viva de manhã não quero ver a sua sombra. Pegue esta carta e vá embora. Se eu morrer meto-lhe um tapa na cara, um beijo e vamos juntas.

18 de fevereiro de 1987.
Viviane.





*A segunda carta é de autoria de Bruna Marta.

domingo, 8 de agosto de 2010

Manchete: Maluco vestido de galinha mata açougueiro

Norte da Califórnia, 1967. Naquele tempo os açougues eram avulsos... Um homem alto, ruivo, forte de gordura, de barba espessa, vestindo uma camisa xadrez curtida, que já não aguentava mais o volume do corpo escandinavo, entra no talho e encara o velho franzino atrás do balcão. Roy Stern é o nome do ancião. Ele passou grande parte de sua vida naquele local, atrás do balcão, matando e vendendo, vendendo para comer, comendo para matar, e matando para, quem sabe, não morrer. Desde que seu pai, fazendeiro rico, homem influente na região, havia perdido tudo no início do século, Roy permanecia naquele posto de sacrificador. Aquele comércio era a única coisa que o fazendeiro havia deixado, quando no verão de 1930, depois da depressão do ano anterior, acertou um tiro na cabeça. O velho comerciante tinha uma relação contígua com a morte. Pelo menos uma vez por dia ensanguentava sua camisa branca e, resmungando confissões de sua infância, pendurava pedaços no matadouro.

Dunn Huply, o homem da barba espessa, mais conhecido como “Dunply”, havia regressado do Alasca a pouco, depois de uma dura temporada de experimentação de solidão humana. A sua tolerância era precária com pessoas, só dialogava bem com animais. Dunply sabia da fama de açougueiro sanguinário de Roy, e há dias não mantinha uma relação harmoniosa com ele. Não se intimidou com a expressão forte estampada no rosto de Roy, e foi logo fazendo seu pedido, que mais parecia uma ordem:

- Eu quero um frango vivo!

Roy, que ainda mantinha a testa franzida respondeu com um sotaque interiorano:

- Só trabalho com animais mortos, se quiser ver bicho vivo vá pra outro lugar, e não venha me aporrinhar novamente, seu grande pedaço de merda!

Dunply, que apesar de intolerante sempre mantinha uma excêntrica calma, virou as costas e encostou a porta ao sair. As cordilheiras já alcançavam o sol quando ele saiu, bufando, rumo ao seu casebre que não era tão longe dali. Não tirou da cabeça aquele insulto.

Ao chegar a casa - já era noite - deixou seus pertences em uma bancada e foi direto para oficina que ficava nos fundos da ruína de madeira que estava abrigando-o nos últimos tempos. Com certa dificuldade acendeu uma lamparina ligada a uma fiação no alto do cômodo, e quando a luz veio Dunply foi, fugaz, ao encontro de um armário, acabado, escondido nos fundos da oficina por uma grande quantidade de entulhos. Tirou tudo de cima e ao abrir o armário seu rosto ganhou uma nova feição, ele sorriu. Um saco cheio de penas brancas. Pegou uma cola de sapatos que estava por ali e começou a se banhar com aquilo. Depois que seu corpo estava completamente coberto de cola, ele foi, calmamente, colocando pena a pena nos seus membros, até ficar completamente preenchido, deixando exposta somente a espessa barba ruiva.

Dunply pegou uma serra cega que estava em sua bancada e abandonou sua casa. Com passos largos, acelerados foi em direção ao açougue de Roy Stern.

A lua cheia iluminava o ambiente e, naquela noite, Dunply pôde ver suas penas brancas atingirem o tom de sua barba espessa.

sábado, 3 de julho de 2010

Marlene

Leandro, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza.

-Marlene está vindo ai hein!
-É... Eu sei, vai ser muito bom.
-Ela faz uma falta… Olha essa mulher! Que isso! Ela é muito grande, tem uns braços pequenos. Que coisa esquisita!
-Em que sentido?
-É só você olhar pro lado.
-Não! Eu digo: em que sentido a Marlene faz falta?
-Ahh tá! Ela é ótima, te estimula, te faz rir.
-Mas também com uma bunda dessas, né.
-Ô rapaz, mas respeito com a Marlene, por favor!
-Não, eu estava falando da mulher ao lado.
-…
-…
-Você já nadou hoje?
-Claro!
-E o resto do dia, não vai fazer nada?
-Vou, claro! Não tenho tempo para o ócio. Vou resolver uns pepinos pro meu pai. E você vai fazer o que a tarde?
-Nado.
-Pô, não vai fazer nada?
-É, na piscina…

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sombreiro


“Televisão me dá um sono.”

Falou pro quarto vazio, enquanto andava devagar pelo corredor da casa escura.
Ela já havia se acostumado com a escuridão dos porões de outrora. Era março, e isso a impedia de se aventurar pelas ruas de Botafogo. O único momento em que saia de casa a passeio era no mês de fevereiro, quando os bairros do Rio de Janeiro estavam cheios de pessoas sorridentes curtindo as festividades da época do ano. Tinha pavor a ruas solitárias, e de poeiras de vento leve.

Chegou ao quarto e deitou a cabeça no travesseiro. Lembrou-se das histórias que sua avó lhe contara quando moça. Vovó Josefina dizia coisas sobre a senzala e costas calejadas de tanto carregar chicotada. Mas quando vinha a sua mente a penumbra dos cômodos subterrâneos, as chibatadas de sua avó pareciam mais carinho em neném recém nascido. Tudo que ela via em suas lembranças era a sombra do quarto semi iluminado e uma toalha que o sabujo enxugava o suor depois de...

..., e a porta se fechava em um barulho ensurdecedor que a acalmava.

Aquela visão que fora plantada no seu cérebro ainda permanecia, entre o som do silêncio. As noites tinham um ritmo semelhante. Ela ficava de olhos abertos, encolhida, coberta por uma manta de lã, sob a auréola de uma lamparina barata. De lá, não se ouvia muito, somente ruídos, sussurros. Sons que ficavam na divisa entre o real e o imaginário. A madrugada se estendia, e ela permanecia acordada com medo de sonhos agitados. Angustiada pelos murmúrios, dizia palavras:

“Olá escuridão, minha velha amiga.”

Tentava dispersar-se em coisas poucas. Conversava com as paredes, enquanto sua visão percorria os cantos do quarto. Um processo contínuo que se conservava até o sol aparecer.

Na manhã seguinte, primeiro dia de abril, ela se levantou e, certa de que não aguentaria se guardar até o próximo carnaval, foi até o banheiro e se enforcou com a toalha de suor de sabujo.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Tarde de Amor

Um outro dia de chuva, porém este permanecia sereno. Novamente estava caminhando pela praça, procurando por uma liberdade para viver e desfrutar daquele grande amor que tendia a aflorar. Ao meu lado: um casal apaixonado, um mendigo desvairado, restos de comida junto ao corpo de um torto que não mais tinha o gosto pela vida. Esperei sossegado com um curto olhado que não ia além daquilo que eu escrevia. Em um movimento circular eu a vi chegar e logo me empolguei com o lindo cabelo curtinho e aquele queixo e seu furinho.

Ah! Queria eu que ela fosse minha gueixa, no caso dela não japonesa, mas francesa, com aquela beleza tradicional que desempenharia o papel de hospedeira e dama de companhia. Atiramos-nos em um passeio desses em que os devaneios são mais fortes e te arrancam toda aquela visão centrada que tendemos para o norte. Ai! Mas que sorte aquele momento com aquele sorriso sincero e aquele olhar estonteante que me penetrava a mais profunda das escavas do meu peito. Sentia o enorme desejo de lhe dar um beijo e não se importar com as consequências das ardências posteriores. Mas não o fiz, tinha medo de entristecer quem já estava feliz. Fiquei calmo e disse o que se diz para uma mulher com uma franqueza pura que se quer. Falei com sinceridade tudo que havia acontecido desde aquela minha idade em que não sabia o que era o amor.

Chegando ao café sentei-me como um qualquer em uma mesa qualquer, para sentir novamente a descoberta da sua beleza. Ficava observando os seus movimentos, atento, para qualquer olhar que viria aos meus. Ela estava muito parecida com a primeira vez que a vi, bordada de xadrez. Ah, mas como eu queria que fosse a minha ocasião de mostrar como pode vingar essa minha paixão, esse meu amar. Naquele momento eu me esqueci dos problemas do meu cotidiano quase secular. E como a noite ia se firmando, em um pequeno momento de lucidez eu resolvi partir. Um abraço apertado, gostoso e um pouco amargo. Um olhar recíproco, contente. Foi a nossa linda tarde de amor, de afeição, de afeto, de amizade, de apego, de dedicação, de ternura e de idolatria. E foi assim que a deixei, sereno, pois sabia que mais tarde eu iria reencontrá-la para tomar um sorvete. Ilustres refrescos congelados de leite.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Êpa Êpa Babá

Escrevo agora este samba
Em homenagem ao músico que declama
O soneto da separação
Posto que a lama encontrou minha cama
E a tristeza veio logo sem fama rumo ao meu coração
No manto da minha alma dizer que reclama

Um molejo de amor machucado
Um, dois ou três pedidos negados
Vai lançar um verso disperso
No papel que eu tenho, eu peço

Que venha um som que desova
Do afro e da bossa nova
Camaleão puro e estonteante
Fez de mim um sujeito brilhante

Um poeta, diplomata, um dançante.
Grande influência e marco gritante.
É o Marcus Vinicius
De pouca ou de muita moral
O rapaz virou logo o tal

De Itapuã ao Rio de Janeiro
Foi de cada mulher por inteiro
E de fevereiro a fevereiro
Juntava tão pouco dinheiro.

O que importava mesmo era o uísque,
E o amor de uma próxima, que resiste.
Uma bebida alcoólica destilada, feita de pura cevada.
E o corpo de uma morena que vibra
Era a combinação perfeita para aquele poeta de tamanha barriga.

Era Vinicius de Moraes
Um homem de tantas loiras, mulatas e mulheres mais.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Amor-te

A morte
O Amor
O amor faz a morte ceder à dor
O amor é
Amortecedor